Analista ambiental do ICMBio relembra situações em que artefatos foram espalhados pelo mar e teme que o mesmo possa acontecer com mancha de óleo
O analista ambiental do ICMBio, Ricardo Pires, atua há 20 anos no Parque Nacional do Cabo Orange, o ponto mais próximo em terra do bloco que a Petrobrás pretende explorar no Oceano Atlântico.
Em entrevista à CNN, ele relatou a rotina de trabalho e como viu, com os próprios olhos, o mar trazendo artefatos para a costa, como fragmentos de um foguete e um barco a vela.
Episódios que, para ele, constatam as chances altas de um eventual vazamento de óleo chegar à costa.
Explica pra gente o que é o Parque Cabo Orange.
Pois é, aqui a gente tá no início do litoral do Brasil, é a parte mais norte do litoral. E vocês veem aqui essa água marrom. Isso aqui vem do Rio Amazonas, é influência direta do Rio Amazonas.
O litoral todo aqui do Amapá é formado por essa sedimentação, esse sedimento que vem nas águas do Rio Amazonas.
Esse litoral avança dois metros por ano, em média. Quando você anda, pena que agora não dá pra gente pisar, mas você afunda, é impressionante.
Como é uma lama muito mole, se você imaginar uma mancha de óleo chegar aqui, com uma maré de quatro metros, a amplitude de maré aqui é quatro metros. Digamos que chegue, tenha um vazamento, que é pouco provável, mas a possibilidade existe.
Se chega uma mancha na maré alta, ela vai entrar, que é tudo plano, aqui é plano, porque é formado por sedimentação. Então não tem um morro, é plano. Aí, você vai ter uma mancha que vai entrar. A maré começa a descer e ele vai assentar.
Imagina um óleo sentando nas raízes. Essas são as siriúbas, elas têm uma raiz que vem do solo pra cima, fica em uma altura assim, mais ou menos, e elas respiram. Se você tiver isso aqui banhado de óleo, acabou.
E quanto de manguezal tem aqui nessa costa?
Aqui, eu tenho 200 km dentro do parque, mas isso vai até o Maranhão. É a maior mancha de mangue existente no planeta, que sobe para a Guiana também. Então, aqui, a gente considera sensibilidade máxima para vazamento.
Aí, quando você pensa em uma atividade de petróleo aqui, você tem que ter, primeira coisa, a preocupação, cautela, cuidado, porque não pode, de forma alguma, de jeito nenhum, impensável, não é impossível, mas não pode acontecer, um óleo chegar aqui.
Se você for ver quantas famílias dependem desse pescado que existe aqui. Não sei se vocês conhecem “ver o peso”. Quase todos os barcos do “ver o peso”, a maioria do peixe que é vendido lá, é pescado aqui fora.
Se você for ver a cadeia de gente que depende disso, lá no Pará, como aqui em Oiapoque, até para exportação para o estado, é muita gente que depende disso aí. Agora, fora isso, isso economicamente, fora isso, você tem a biodiversidade. É impensável a gente perder, botar em risco isso aí.
Você tem o ambiental, o impacto humano, social, econômico.
É uma coisa muito louca, e aí a gente sabe que a civilização, desenvolvimento entre aspas, ele é um rolo compressor que vem passando por cima de tudo, todos, de qualquer coisa, ele vem. E aí a gente imagina uma atividade dessa, caso ela realmente venha, receba a licença de atividade, ela tem que vir com toda a cautela, com o máximo de preocupação.
Tempo de resposta, que foi um dos pontos que o Ibama questionou, é o tempo de resposta para o vazamento, porque, quando você tem uma gota de óleo na água, ela vai aqui e começa a expandir.
Então, se você vier, caiu uma gota de óleo e você pegar logo, não tem problema. Quanto menor o tempo que as embarcações, a estrutura de apoio e segurança, chegar em cima e acabar com aquilo, coletar o óleo, melhor. Agora, se você tiver os navios lá em Belém, caiu aqui, avisa Belém, aí vai vir, cara, é uma loucura.
Me fala a sua rotina aqui basicamente. Um dia padrão seu como chefe do parque.
Bom, mudou muito de dois meses pra cá, porque antes era só eu aqui. Só eu e o Paulo. Éramos dois para cuidar de 619 mil hectares e 200 mil hectares de mar. Então, era uma coisa meio… você faz muito administrativo, você sai para o campo.
Mas, quando você sai para o campo, você tem uma carga de trabalho devido ao campo: autuação, apreensão de material. É uma coisa que engloba muito. Você tem que manter as viaturas, tem que manter o barco, tem que manter as bases. É muita coisa, e você acaba fazendo tudo mal feito.
Agora, desse concurso pra cá, estamos agora com seis analistas, temos 12 ATAs, que são Agentes Temporários Ambientais. Melhorou muito mesmo, divisão de tarefas, combate a incêndios. Ontem mesmo, eu estava lá no Cassiporé. É de chorar.
É muita coisa queimada, é uma imensidão de área queimada. Na BR, é uma loucura. Tudo que vocês vieram, devem ter visto. Não sei, o Brasil está perdendo controle do fogo, é um negócio doido. Mas aí é isso: atividade é muito variada, tanto de escritório, como de oficina, como de atividade mesmo.
Você acredita que um vazamento lá chegaria aqui na costa?
Sim. E por que que a gente acha isso? Se eu não tivesse visto duas situações, eu não ia nem desconfiar desse estudo. Eu já vim de barco por aqui, eu vim de Florianópolis, e eu sei que, quando eu peguei ali o cabo, veio o Rio Grande do Norte pra cá, era tudo a favor. Eu sei que é a macrocorrente. Ela vai para a Guiana.
Só que há mais de dez anos, eu não vou precisar agora a época, na época que caiu aquele Concorde no oceano, sei lá, eu sei que o pessoal foi falar comigo: “acho que o avião está lá no Cabo Orange”. Uma coisa apareceu no litoral. A gente foi lá, até com os bombeiros, e era um foguete, pedaço de um foguete. Só que a área de queda teórica do foguete fica no dobro da distância entre aqui e o poço de petróleo.
Aí, você bota a mesma distância pra fora, é a área de queda teórica e a coisa apareceu ali no Cassiporé, aqui embaixo. E aí o que você acha disso? Aí, criou a dúvida, se esse negócio chegou, caiu teoricamente no dobro da distância e chegou aí, imagina uma mancha de petróleo que tiver ali.
E a outra situação?
A outra foi um barco, uma regata que tem normalmente aqui, que sai da África e vem para a Guiana. O mesmo que Amyr Klink fez, ele veio remando. É essa regata também. São vários barcos, parecidos com o do Amyr Klink, que atravessam o Atlântico. Nesse barco, especificamente, o garoto passou mal. O helicóptero tirou ele, porque eles tem rádio e tal. Mas deixaram o barco, e onde é que veio parar o barco? Aqui, foi em um igarapé por aqui.
O pessoal da França me ligou, pediu para vir buscar o barco. Aí, eu cheguei aqui, fiquei meio perdido. Eu vi um pescador, fui falar com ele: “ah, eu vi um, eu botei o barco lá pra dentro, porque iam roubar”. Ele botou em um igarapé, fui lá, peguei, saí. Quando eu estava saindo, já veio uma lancha aqui de Caiena, com o remador. Ele ficou todo contente, e levaram o barco.
Agora, o grande X da questão é esse: duas coisas que chegaram aqui. Precisamos desse estudo. Se for fazer a exploração, tem que estar muito seguro, com muita certeza de como vai agir quando tiver, se tiver, um problema. Tem que saber, lua tal, vento tal, a corrente vai estar assim, vamos atacar ali. Entendeu? Tem que ser uma coisa muito, tudo meio teórico, mas tem que ter uma base para você tomar decisão. Você não toma decisão no “ah, vamos tentar ali”.
E o óleo está espalhando. É doido, o negócio é muito louco. E ter embarcação parada aqui 24 horas durante todo o trabalho, durante anos, ficar uma embarcação pronta, abrigada aqui na foz, fica aí.